A primeira volta é a mais difícil

A primeira volta é a mais difícil

As idas e vindas são sempre um misto de emoções, têm um gosto agridoce, mas aos poucos vamos ficando mais acostumados com elas.

Semana passada o Facebook me lembrou que há dez anos, em outubro de 2013, eu estava visitando o Brasil pela primeira vez depois de ter me mudado para a França seis meses antes. Além de rever a família e amigos, foi bem em tempo de aproveitar as festas de outubro – Oktoberfest, em Blumenau e Fenarreco, em Brusque.  

Lembro de ter hesitado para comprar a passagem quando surgiu a possibilidade porque eu tinha a impressão de que talvez a mudança fosse muito recente e seria um pouco difícil voltar tão cedo para o que eu tinha acabado de deixar. Mas, como quase tudo nessa vida, optei pelo sim e por viver algo, ao invés de deixar de fazer por medo. Prefiro saber como é a experiência do que viver imaginando como teria sido.

Uma década depois algumas memórias perdem os detalhes, mas me lembro bem de como me senti e tenho fotos que me ajudam a reconstruir a história. Programei férias de duas semanas.   Uma das vantagens do modelo europeu de férias é que elas são proporcionais ao tempo trabalhado e começam a contar a partir do primeiro mês de trabalho. Eu me lembro como contei os dias para que a viagem chegasse logo e como eu estava feliz durante toda a jornada, em êxtase. 

Foi muito bom chegar e ser recebida no aeroporto pela família, ganhar abraços, beijos e o café da mãe. Também foi incrível estar em um lugar em que eu entendia a língua e a forma como as coisas funcionavam. No caminho entre o aeroporto e a casa tudo estava exatamente do mesmo jeito. Além da alegria, eu me sentia segura em casa. 

Tudo parecia muito fácil no Brasil comparado à realidade de seis meses descobrindo um novo país, uma nova língua e uma nova cultura. A França tinha me acolhido muito bem, mas eu ainda me sentia mais turista do que alguém pertencente àquele lugar. Adaptação leva tempo, exige muita energia e requer muito aprendizado o tempo todo. 

Além disso, eu ainda não sabia quem eu era exatamente nesse outro lugar. No Brasil, eu sabia quem eu era… ou achava que sabia. Eu podia simplesmente continuar de onde eu tinha parado seis meses antes. Foi isso que eu fiz naquele retorno de outubro de 2013. Continuei a vida como se nunca tivesse ido embora. 

Tive duas semanas incríveis, vivi internamente, aproveitei cada segundo. Ainda hoje, sempre que passo férias no Brasil tento aproveitar com a mesma intensidade daquela primeira vez, com a mesma admiração pelas coisas e mesmo carinho pelas pessoas. É sempre interessante notar como pequenas coisas passam a ter grandes significados simplesmente porque elas não estão mais a nossa disposição facilmente. 

Só que aquelas duas semanas chegaram rapidamente ao fim e, com isso, chegou o momento da despedida. E dessa vez foi mais difícil do que a primeira. Eu tive que repassar mentalmente muitas vezes os motivos de eu precisar dizer tchau de novo, o quanto os primeiros meses tinham sido incríveis apesar de desafiadores, a vida que eu realmente queria para mim e as coisas das quais eu tinha que abrir mão para fazer isso. Toda escolha significa abrir mão de algo, mas estar longe da minha rede de apoio foi certamente uma das decisões mais difíceis que já tomei.

Conversei com muitas pessoas sobre isso ao longo do anos e essa parece ser uma experiência comum. Esse primeiro retorno nos mostra a vida que continuou sem nós, uma realidade que nos é familiar, mas da qual não somos mais parte. Acima de tudo, nos mostra tudo de bom que deixamos pra trás com a nossa escolha de ir. Apesar de saber disso racionalmente, precisei viver a experiência para senti-la e entendê-la. 

As despedidas vão ficando mais rotineiras ao longo do tempo e eu me sinto cada vez mais turista no Brasil, mas sempre existe algo que me lembra do que a vida poderia ter eu tivesse ficado, das histórias que acontecem sem a minha presença e da brevidade de cada momento quando estamos juntos de pessoas especiais. 

Visitar o Brasil é sempre bom, mas eu adoraria não ter que me despedir a cada vez. Aquela primeira vez foi a mais difícil, mas ela precisava acontecer para que tantas outras, mais fáceis, viessem depois. 

Deixe seu comentário:

Preencha o formulário rápido e fácil, entrarei em contato o mais breve.